Luiz Roberto Peroba
Tenho ouvido, de muitos, que o tema reforma tributária é hermético, que são poucos os que têm condições de entender as mudanças propostas ao sistema vigente e efetivamente debatê-las. As notícias veiculadas pela mídia nos últimos meses também não contribuíram muito para um melhor entendimento do assunto pela população. O noticiário ficou recheado de reportagens que refletiram visões do projeto segmentadas e adjetivadas, exprimidas por figuras políticas importantes, governadores e representantes de setores específicos da classe empresarial - sem uma ampla reflexão sobre os benefícios do projeto para o país.
Não se viu na imprensa um detalhamento claro do projeto, comparações a outros sistemas tributários, estatísticas, visões de organismos internacionais sobre o assunto ou até mesmo análises críticas amplas e balizadas do que temos em discussão atualmente no Congresso Nacional. Afinal de contas, a reforma tributária em trâmite na Câmara dos Deputados é boa ou ruim para o país? Respondo já de início: muito boa, e explico o porquê. Verifica-se, em um exame mais atento e mais amplo do projeto, dois grandes objetivos com a proposta de alteração do sistema constitucional tributário atual. O primeiro, mais explícito, é o de simplificação do sistema cuja complexidade é enfaticamente criticada há um bom tempo por empresários nacionais e estrangeiros. O segundo, de difícil detecção, é o de estímulo à redistribuição da renda, que atualmente ocorre exclusivamente por meio de programas assistencialistas do governo.
Para tratar a primeira questão, o projeto propõe a criação de um Imposto sobre Valor Agregado Federal (IVA-F) em substituição aos conhecidos PIS, Cofins, PIS/Cofins-Importação, além do Salário-Educação, e a incorporação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). A simplificação salta aos olhos. Se implementadas essas mudanças, seriam eliminados seis dos muitos tributos cobrados atualmente sobre a atividade produtiva. Seria recomendável uma simplificação ainda maior do sistema com a incorporação, também ao IVA-F, de alguns outros tributos que incidem sobre o valor agregado - como o ICMS e o Imposto Sobre Serviços (ISS). Essas mudanças, entretanto, esbarram em questões jurídicas e políticas bem intrincadas relacionadas ao pacto federativo estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e de difícil superação nesse momento. O importante, nesse aspecto, é que o projeto não impede futuros avanços nesse sentido.
O ICMS, principal fonte de arrecadação dos Estados, também fica bem mais simples. Transforma-se em um imposto nacional cuja competência para sua instituição fica nas mãos de todos os Estados - que poderão instituí-lo e/ou alterá-lo de forma conjunta. Os principais problemas do atual ICMS também são atacados pelo projeto de reforma. O imposto passa a incidir no destino, e não mais na origem da operação mercantil, o que, ao longo de poucos anos, propiciará o fim da guerra fiscal e a uniformização das atuais 27 legislações existentes atualmente para tratar do assunto. Apenas para ilustrar a relevância de toda essa simplificação, menciono aqui resultado de um estudo realizado em 2007 pelo Banco Mundial (Bird) e pela PriceWaterhouseCoopers (PWC). Entre os pontos examinados, verificou-se a quantidade de horas que uma empresa gasta para cumprir suas obrigações tributárias em cada um dos países. Dos 178 países estudados, o Brasil ficou na penúltima posição, colocação simplesmente inaceitável para uma nação que pretende mostrar vocação para atrair investimentos em produção e assumir papel de destaque no cenário internacional nos próximos anos.
O ótimo é inimigo do bom. Quem se coloca contra a aprovação da reforma com base no argumento de que deveríamos aguardar um projeto que simplificasse ainda mais o sistema, não entende ou não se preocupa com os malefícios que o sistema atual causa ao ambiente de investimentos. Simplificação dá segurança aos investidores, traz imediata redução de custos administrativos e possibilita concentração de esforços em áreas produtivas.
Vamos então ao segundo objetivo do projeto, que tem passado de forma desapercebida por muitos, mas visa a uma alteração significativa do modelo de tributação brasileiro. Temos, com a extinção do PIS, da Cofins, do PIS/Cofins-Importação e da CSLL, a chance de nos livrarmos de um sistema tributário concentrado em contribuições sociais exclusivamente voltadas à arrecadação que não auxiliam na distribuição de renda. Por outro lado, um sistema cujos principais tributos sejam o IVA e o IR, como faz qualquer país desenvolvido ou que adota as políticas tributárias da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), propiciará uma distribuição efetiva de renda. O IR, especialmente, tem por característica principal a progressividade de suas alíquotas, mecanismo peculiar que atinge de forma mais onerosa os mais favorecidos.
Atualmente, a arrecadação por esse imposto no Brasil é muito baixa se compararmos a qualquer outro país desenvolvido. Caso a proposta seja aprovada, o país poderá fazer uma correção de rota relevante. O governo terá à sua disposição um sistema tributário com as ferramentas necessárias para cumprir o papel de beneficiar as classes menos favorecidas, sem necessidade de qualquer tipo de assistencialismo. Também aqui é oportuna a referência ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), coordenado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para mostrar a importância e urgência da mudança. Tal índice mede (1) o nível de educação dos países; (2) a longevidade da população; e (3) a distribuição de renda. Temos visto um ótimo avanço em relação às questões de educação e longevidade da população, mas ainda penamos com programas exclusivamente assistencialistas para ter algum resultado no quesito distribuição de renda. Prova disso é que o Brasil, muito embora já esteja entre o grupo de 70 países com alto nível de desenvolvimento, ainda ocupa a última colocação justamente por apresentar baixos resultados na distribuição de renda.
O projeto vai à votação no plenário da Câmara no início de março. Deve a sociedade se mobilizar e exigir do Congresso a aprovação, com rapidez, de alterações que auxiliarão no desenvolvimento da economia, especialmente para enfrentarmos os próximos tempos de crise. Se isso não acontecer, perderemos mais uma vez a chance de darmos um salto positivo e importante nas práticas tributárias brasileiras necessárias à posição de destaque que o país pretende ocupar. Cabe aos congressistas buscarem um consenso em relação aos detalhes do projeto que atingem interesses setoriais e ao presidente da República, pelo nível de popularidade que estampam as últimas pesquisas, a parcela de dedicação necessária para a aprovação da reforma. (23/01)