Desde a edição da lei de recuperação de empresas e falências - Lei nº 11.101, de 2005 - que os processos de recuperação judicial passaram a ser processos de negociação entre a recuperanda e os seus credores, classificados em classes distintas (trabalhistas, com garantias reais e quirografários). Estes, por sua vez, reunidos em assembleia-geral, decidem - pelo voto majoritário (dupla maioria nas classes garantia real e quirografários) - se aceitam ou não o plano de recuperação proposto pela recuperanda.
No Brasil, as assembleias gerais costumam ser dominadas pelos credores financeiros e comerciais. Enquanto que os credores financeiros buscam a recuperação do seu crédito como forma de manter a integridade dos seus balanços patrimoniais, os credores comerciais buscam não apenas a recuperação dos seus créditos, mas também a preservação das relações com os clientes.
A criação de um mercado secundário de dívida deve alterar essa dinâmica, na medida em que, mediante a utilização de complexas estruturas financeiras de securitização, há uma tendência de distanciamento entre o tomador do crédito e aquele que o concedeu.
O mercado secundário de dívida no Brasil hoje é representado não apenas pelos sistemas de negociação de títulos (CETIP e CBLC), mas também por fundos de investimento em "special situations". Esses fundos - também conhecidos como "vulture funds" ou fundos abutres - utilizam-se, dentre outras, de estratégias do tipo "loan to own", adquirindo créditos para convertê-los em capital. Isso para o controle de empresas em processos de recuperação, ou para, mediante o controle das assembleias-gerais de credores, aprovar alternativas de recuperação que criem maior valor para os seus investimentos em créditos não performados.
À medida, portanto, do desenvolvimento do mercado secundário de dívida, a influência dos credores originais em processos de recuperação judicial tende a diminuir, enquanto a influência dos fundos tende a aumentar.
Os credores somente podem objetar no caso de violação a formalidades legais
Os fundos especializados em "special situations" têm um importante papel nas economias modernas ao dar liquidez a créditos podres e proporcionar gestão especializada em situações de crise. Além disso, à medida que adquirem créditos com significativos descontos, os fundos de special situations estão em condições de aceitar maiores descontos em processos de renegociação. Como tal, esses fundos têm uma agenda bastante diferente daquela dos credores originais, privilegiando soluções rápidas para evitar a perda de valor da recuperanda. À medida que o controle da maioria dos votos nas assembleias-gerais de credores permitirem antecipar aprovação de um plano de recuperação, os fundos de special situations podem, inclusive, injetar recursos em empresas em recuperação judicial.
A segurança jurídica em processos de concurso de credores é, portanto, fundamental para o desenvolvimento de um mercado secundário de dívida.
A Lei de Recuperação de Empresas e Falências adotou os princípios do voto majoritário e da soberania das assembleias-gerais de credores. A lei é clara ao estabelecer que, cumpridas as exigências da lei, o juiz concederá a recuperação judicial (na linguagem coloquial, aprovando o plano de recuperação) do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credores. Os credores, por sua vez, somente podem objetar no caso de violação a formalidades legais ou vícios de qualquer natureza como erro, dolo, coação, fraude, simulação.
Não obstante, em recentes decisões, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), anulou planos de recuperação judicial aprovados em assembleias-gerais de credores. Segundo o tribunal, prazos de pagamento longos, taxas de juros baixas, ausência de correção monetária ou prazos de carência superiores a dois anos representariam confisco ou enriquecimento ilícito.
Diante das decisões acima, ao menos que o Judiciário defina de forma clara e precisa quais as condições financeiras que seriam aceitáveis - o que não é tarefa fácil em uma economia de mercado - estará criado um clima de instabilidade e incerteza para investidores no mercado secundário de dívida.