Com a aprovação do projeto que extingue a multa de 10% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) devida pelas empresas nos casos de demissão sem justa causa, o Congresso tenta dar fim a um artifício tributário que vem assegurando ao governo receitas adicionais de cerca de R$ 3 bilhões por ano, mas impõe custos indevidos aos empregadores e desestimula a geração de empregos. Como se previa, o governo quis evitar a aprovação do texto, tendo para isso até empregado uma manobra esperta - a tentativa de votação antecipada de um projeto de lei dando a esses recursos um destino "social", como uma espécie de resposta às intensas reivindicações das ruas -, mas nem mesmo sua base votou de acordo com seus desejos.
O projeto, que já havia sido aprovado no Senado, passou na Câmara dos Deputados, sem alterações, por 315 votos a favor e apenas 95 contrários. A presidente Dilma Rousseff tem a prerrogativa de vetá-lo. Se utilizá-la, perpetuará o que era provisório e já deveria, há mais tempo, ter sido eliminado.
A instituição do recolhimento adicional do FGTS pelos empregadores nas demissões sem justa causa e sua manutenção até agora mostram como certas leis aprovadas sob o argumento de urgência, para suprir necessidades financeiras temporárias do governo, tendem a perenizar-se. Somente quando os contribuintes - neste caso, os empregadores - se mobilizam, pressionam os parlamentares e conseguem fazê-los assumir seu papel de representantes da sociedade, o Congresso toma iniciativas para protegê-los dos excessos tributários.
A multa foi criada pela Lei Complementar 110, aprovada em 2001. Ao justificar a criação do adicional de 10% (além dos 40% devidos ao trabalhador demitido), o governo alegou que as decisões do Poder Judiciário, reconhecendo que os saldos do FGTS tinham sido corrigidos a menor na implantação dos Planos Verão (de 1989) e Collor 1 (de 1990), geraram um passivo, que, se não coberto, provocaria o desequilíbrio patrimonial do Fundo. O governo estimou que a necessidade de geração de patrimônio do FGTS era de R$ 41 bilhões.
Embora fosse explícito e limitado o objetivo da multa, o artigo da lei complementar que a instituiu não estabeleceu nenhuma vinculação legal clara entre sua cobrança e a recomposição do patrimônio do FGTS no valor alegado. Assim, a cobrança poderia ser por tempo indefinido. Outros artigos, porém, se referem à necessidade de gerar para a União uma receita adicional que lhe permitisse cobrir os rombos que ela mesma gerou na contas dos trabalhadores com os planos de estabilização. De acordo com cálculos de entidades empresariais, esse rombo foi inteiramente coberto há algum tempo, o que tornou a multa um tributo como os outros, que engordam os cofres do Tesouro.
Desde 2007 tramitava no Senado projeto de lei complementar fixando prazo para a extinção da multa. Em agosto de 2012, o Senado aprovou a extinção em 1.º de junho de 2013. O texto passou também pela Câmara, sem alterações.
Para não correr o risco de derrota na votação desse projeto, o governo tentou forçar a Câmara a votar antes o projeto que havia sido apresentado às pressas pelo líder do PP, deputado Artur Lira (AL), transferindo as receitas geradas pelo adicional de 10% do FGTS para o programa Minha Casa, Minha Vida - administrado pelo Ministério das Cidades, cujo titular é do PP. Com sua base desarticulada, porém, o governo voltou a perder. Apenas o PT, o PC do B e o oposicionista PSOL votaram pela manutenção da multa.
Programas sociais têm sido usados com frequência pelo governo como argumento para manter ou aumentar tributos. Apesar das às vezes demagógicas citações desses programas em discursos e peças de propaganda oficiais, muitos deles são importantes para assegurar melhores condições de vida para a população, mas eles devem ser sustentados por recursos orçamentários disponíveis, não por meio de tributos disfarçados ou indevidamente cobrados, como é o caso da multa do FGTS.