Em 2012, duas juntas comerciais do Brasil discutiram sobre a possibilidade, ou não, das sociedades limitadas emitirem debêntures. A Junta Comercial de São Paulo (Jucesp) recebeu para inscrição as escrituras de debêntures por uma sociedade limitada, e a Junta Comercial do Rio de Janeiro (Jucerja) decidiu sobre o arquivamento de ata de assembleia de sócios que deliberava a emissão de debêntures. Em ambos os casos, os órgãos se negaram ao arquivamento, baseando-se no fato de que a emissão do título é possível apenas por sociedades anônimas.
Já no ano de 2009, a Instrução nº 476, editada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), aumentou o questionamento acerca do assunto. A instrução regula as ofertas públicas com esforços restritos que, além de dispensar o registro da oferta perante a autarquia, não limita sua abrangência a nenhum tipo societário. Anteriormente à sua publicação, a CVM realizou, em maio de 2008, audiência pública para discussão da instrução e, inclusive, sobre a limitação do escopo da emissão de valores mobiliários emitidos apenas por sociedades anônimas.
As opiniões dos presentes divergiram. Os favoráveis à limitação às sociedades anônimas afirmaram que a Lei das Sociedades Anônimas contempla uma série de regras com as quais os participantes do mercado e investidores em geral já estão acostumados. Já os contrários, defendiam que a exclusão impediria a maior parte das empresas brasileiras de tirar proveito do mecanismo de captação que se pretende criar com a Instrução nº 476, o que contraria a intenção da CVM de facilitar o acesso ao mercado de capitais.
A simples ausência de previsão legal expressa não inviabiliza a emissão de debêntures pelas sociedades limitadas
A CVM respondeu ao questionamento afirmando que não havia se convencido da necessidade de restringir a possibilidade de realizar ofertas públicas com esforços restritos a um ou mais tipos societários. Diante da resposta da CVM, não ficaria vedada a nenhum tipo societário a emissão dos títulos abrangidos pela Instrução nº 476.
Ainda, a autarquia foi questionada pelos presentes quanto ao seu poder de polícia sobre o emissor, o ofertante e seus respectivos administradores, na hipótese destes serem organizados sob forma de tipo societário diverso de sociedade anônima. Em resposta, a CVM respondeu que, tendo em vista que o artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 6.385, de 1976, sujeita os emissores de valores mobiliários ali referidos, bem como seus administradores e controladores, à mesma disciplina prevista para as companhias abertas, de forma que a organização societária seria irrelevante para se verificar a competência da autarquia quanto à aplicação das penalidades cabíveis a ela.
Contudo, foi negado o arquivamento dos atos que deliberavam a emissão de debêntures. O plenário da Jucesp, em 26 de junho de 2012, expôs em sua decisão argumentos a favor e contra a emissão, mas decidiu não arquivar as escrituras da operação, sob o argumento da ausência de previsão legal da emissão pelo tipo societário e que há uma ausência de regulamentação pela CVM.
Já a Jucerja publicou o parecer do processo nº 07-2012/232000-0, datado de 28 de agosto de 2012, no qual se recusou a efetuar o arquivamento de ata que deliberava a emissão de debêntures, sob o argumento de que a Instrução nº 476 não teria autorizado a emissão de debêntures por sociedades limitadas, mas apenas a emissão de debêntures sem registro na CVM. Também arguiu que, ao prever a possibilidade de emissão de debêntures, a Lei das Sociedades Anônimas utilizou expressamente a expressão "companhia" e sua emissão iria contra a natureza da sociedade limitada.
Entretanto, a simples ausência de previsão legal expressa não inviabiliza a emissão de debêntures pelas sociedades limitadas, uma vez que também inexiste uma vedação expressa a tal operação.
Sabe-se, ainda, que no Brasil a maioria das sociedades é constituída sob a forma de sociedade limitada e, muitas delas, além de serem tão desenvolvidas quanto às sociedades por ações, possuem estrutura e capital suficiente para efetuar a emissão de debêntures. Além disso, esta seria uma forma menos burocrática e onerosa que tomar um empréstimo bancário para captar recursos, tendo em vista a flexibilidade do título, no qual se pode estipular as condições de sua emissão.
Apesar dos argumentos favoráveis à emissão de debêntures por sociedades limitadas, na prática, a insegurança jurídica impede que os interessados na emissão de debêntures por limitadas prossigam com a operação, pois esta poderia ser questionada, motivo pelo qual os participantes do mercado continuam optando pela emissão de debêntures apenas por sociedades anônimas, o que acarreta no aumento dos custos de emissão de debêntures e diminui e restringe o número dos participantes neste mercado. Assim, é necessário que haja consolidação do posicionamento pelos órgãos de registro de empresas, CVM e Judiciário ou ainda a regulamentação expressa sobre emissão de debêntures pelas sociedades limitadas para que o instrumento possa ser utilizado amplamente pelo referido tipo societário no Brasil.
Renzo Brandão Gotlib é advogado do Departamento Consultivo da Azevedo Sette Advogados