A prestação de serviços contábeis utilizando exclusivamente canais eletrônicos é, atualmente, um dos temas mais polêmicos no meio contábil. Funciona? É legal? Fere a ética profissional? É mais eficiente? Em meio a tantas perguntas, investiguei o assunto a partir de outra perspectiva. Seria mesmo uma inovação disruptiva ou apenas uma melhoria de processos no relacionamento com os clientes?
Obviamente, não pretendo analisar a legalidade deste tipo de serviço ou mesmo a qualidade de empresas específicas. Meu objetivo é entender as consequências deste movimento para o mercado.
Em dezembro de 2015 os professores da Harvard Business School Clayton M. Christensen e Rory McDonald, juntamente com o diretor da Deloitte Consulting, Michael E. Raynor, publicaram na Harvard Business Review o artigo "What Is Disruptive Innovation?".
Segundo os articulistas, a teoria da inovação disruptiva surgiu em 1995, mas a sua disseminação em larga escala levou a uma deturpação dos conceitos fundamentais e à utilização do termo de forma equivocada. “Disrupção” consiste, de acordo com os autores da teoria, no processo pelo qual uma empresa menor, dotada de menos recursos, é capaz de desafiar com sucesso as companhias tradicionalmente estabelecidas.
As organizações convencionais tendem a se concentrar na melhoraria dos seus produtos e serviços para atender os clientes mais exigentes (e geralmente mais rentáveis). Neste processo, as necessidades de alguns segmentos de mercado são amplamente atendidas, enquanto se ignoram as de outros segmentos , geralmente os menos rentáveis.
Inovações disruptivas são possíveis porque as empresas tradicionais menosprezam dois tipos de mercado: o de baixo valor (low-end) e os novos clientes. Isso abre a porta para o surgimento de ofertas “disruptivas” focadas em fornecer à primeira modalidade de consumidor um produto “bom o suficiente” e a preço muito abaixo do praticado pela maioria do mercado.
Adicionalmente, a oferta inovadora deve criar nichos até então inexistentes. Um exemplo clássico disto foi a introdução de fotocopiadoras domésticas, enquanto a Xerox mantinha seu foco somente nas grandes corporações. Até a década de 1980 pequenas empresas e usuários domésticos contentavam-se com o papel carbono e o mimeógrafo. Ou seja, um novo mercado foi criado a partir de uma solução mais acessível.
A receita para a disrupção é clara: identifique quais tarefas os clientes precisam fazer; segmente clientes por tarefas (não por produtos, tamanho, ou mesmo características demográficas); desenvolva soluções básicas, de baixo custo, que permitam realizar essas atividades. Inovações disruptivas criam, necessariamente, novos mercados e reestruturam os que já existem.
Os autores ainda analisam o caso do Uber. Seria o também polêmico aplicativo uma inovação disruptiva? A resposta é um sonoro “não”! A explicação é simples. Ele não cria uma oferta com preço muito inferior, tampouco um novo mercado.
O Uber, conforme a teoria, é apenas uma “inovação de sustentação”. Ou seja, aprimora a qualidade dos serviços já prestados a um determinado mercado e reduz um pouco seu custo. Tal qual a introdução de novas lâminas no barbeador ou uma tela melhor na sua tevê. Neste caso, não há uma oferta de valor baixo o suficiente para criar um novo mercado, por exemplo, captando usuários de ônibus ou metrô.
Os autores ainda observam quatro pontos importantes, mas quase sempre esquecidos ou, no mínimo, mal interpretados:
1. O termo “inovação disruptiva” não deve ser usado para se referir a um produto ou serviço em um “ponto fixo”, mas sim uma evolução ao longo do tempo.
2. Disruptores constroem modelos de negócios muito diferentes das empresas tradicionais.
3. Algumas inovações disruptivas funcionam, outras não.
4. Empresas tradicionais não precisam responder à disrupção de forma exagerada, desmantelando um negócio rentável, por exemplo. Em vez disso, as tradicionais devem continuar a fortalecer as relações com seus principais clientes investindo em inovações sustentáveis. Ou seja, melhorando processos e, consequentemente, o relacionamento com eles .
A inovação disruptiva ocorre quando um produto ou serviço cria um novo mercado e desestabiliza os concorrentes que antes o dominavam. Enfim, trata-se de uma oferta mais simples e barata, capaz de atender um público antes sem acesso a este mercado.
Analisando a "contabilidade on-line” sob esta ótica, ela não pode ser classificada como disruptiva, pois só o seria se criasse oferta para um novo mercado. Tal como o Uber, a prestação de serviços contábeis, por meio de canais eletrônicos, é uma inovação de sustentação, ou seja, busca melhorar, ao menos em tese, os processos de prestação dos serviços.
E, não necessariamente, cria serviços muito mais baratos que os já estabelecidos. Há poucas empresas prestadoras de serviços contábeis “on-line” com ofertas agressivas de preço. A maioria absoluta das que atuam por meio de canais eletrônicos pratica preços compatíveis com os concorrentes tradicionais. Ademais, a concorrência por preço, no setor de serviços contábeis, não é uma prática introduzida pelos serviços on-line. Ela sempre existiu.
Mais ainda, não identifiquei escritório contábil on-line que tenha a proposta de atuar com novos mercados, isto é, quem ainda não utiliza serviços contábeis, caso da maioria dos microempreendedores individuais, para citar um exemplo.
Dado este contexto, há duas conclusões relevantes para o mercado que podemos destacar. Primeira, a ampliação da prestação de serviços contábeis por meio de canais eletrônicos é uma estratégia de melhoria de processos com o objetivo de reduzir custos e agilizar o atendimento ao cliente. Trata-se de uma inovação nos canais de atendimento para sustentar um modelo de negócios tradicional. Um caminho parecido com o qual as instituições financeiras trilharam na década de 1990.
Segunda, a resposta exagerada a este movimento é um erro enorme, ainda que a contabilidade on-line fosse mesmo uma inovação disruptiva. Como os professores de Harvard esclarecem: as tradicionais devem continuar a fortalecer as relações com seus principais clientes, melhorando seus processos.
Neste sentido, os escritórios contábeis com modelos de negócios consolidados e atuação já segmentada têm grandes chances de ser os mais beneficiados por este movimento, pois podem (e devem) usar meios eletrônicos como forma de melhoria dos processos e relacionamento com clientes, sem negligenciar os canais presenciais.
Afinal, pessoas confiam em pessoas. E é muito mais fácil e barato agregar eficiência a processos em que já exista uma relação de confiança ao invés de tentar desenvolver esse clima no meio virtual.
(*) Roberto Dias Duarte é sócio e presidente do Conselho de Administração da NTW Franquia Contábil, primeira deste setor no país.