Cena 1. Interior. Agência bancária, cercadinho do gerente Oliveira.
Personagens: Oliveira, gerente da Caixa Brasileira de Descontos, e Flaviano, empresário, empregador, com negócio parado por conta da pandemia.
Flaviano está sentado na ponta da cadeira, coluna ereta; do outro lado da mesa o gerente Oliveira, relaxado, explica a situação.
OLIVEIRA: Pois é, meu amigo, o Banco ainda não está trabalhando com o Pronampe. Não sei como vai ser isso... Mas, fica tranquilo, tenho aqui uma linha de crédito para capital de giro sensacional: taxa de 0,98% ao mês, prazo de 60 meses, carência de 6 meses. Você só precisa fazer um depósito garantia de 30% do valor liberado, que fica em uma aplicação até a quitação da operação.
FLAVIANO: Mas a taxa do Pronampe não é 3,5% ao ano?
OLIVEIRA: Acho que sim, mas ih... não sei se isso vai sair. Se fosse você, já garantia logo essa oportunidade.
FLAVIANO: Trocar 3,5% ao ano por 0,98% ao mês, e ainda preciso depositar uma parte do valor, para vocês me emprestarem o meu próprio dinheiro cobrando juros??
OLIVEIRA: É a garantia, Flaviano, com essa taxa o banco precisa de garantias... Olha, ontem mesmo fechei uma operação dessas com o meu cunhado.
FLAVIANO: Oliveira, você não respeita nem os cunhados!
A cena acima só existe no campo da ficção, e qualquer semelhança com situações ou personagens reais é mera coincidência. Ou não.
O Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) é o empréstimo subsidiado e garantido pelo Fundo Garantidor de Operações (FGO), mantido pelo governo federal, e previsto na lei 13.999/2020.
O funding e o risco são inteiramente suportados pelo FGO; os bancos comerciais aderentes somente farão o intercurso operacional. O valor máximo disponível para cada contribuinte é de 30% da receita bruta auferida no ano de 2019. O prazo de pagamento é de 36 meses e o melhor, a taxa, é de 2,25% ao ano mais a Selic. Com a Selic atual em 2,25%, estamos falando de uma taxa de 3,5% ao ano: algo sem precedentes na história no que se refere a empréstimos para pequenas empresas.
O problema tem sido o dinheiro chegar na ponta. Os bancos estão aderindo aos poucos: acostumados a maiores spreads, não parecem muito motivados em oferecer essa linha de crédito.
Enquanto isso, o discurso tem sido o de que o Pronampe ainda não tem data para contratação, ao mesmo tempo que oferecem outras linhas “igualmente vantajosas”. Trocar 3,5% ao ano por 0,98% ao mês lembra os programas televisivos nos quais o sujeito respondia “sim” ou “não” para perguntas que ele não podia escutar, e acaba trocando um apartamento na praia por uma escova de dentes usada.
Considerando os relatos dos nossos clientes, a situação tem sido a seguinte:
As posições acima decorrem, como dito, dos relatos dos clientes, podem ser verdadeiras ou não, pontuais ou não. Mas fica o compartilhamento para os interessados.
Enquanto isso, o melhor a fazer é resistir às ofertas tentadoras de escovas de dentes usadas, e insistir na busca pelo Pronampe, pois outro igual, só na próxima pandemia...
Marco Aurélio Medeiros (marco@msaonline.adv.br) é advogado desde 1999. Pós-graduado em Direto da Economia e da Empresa e em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Mestre em Contabilidade Tributária pela FUCAPE/RJ. Ex-professor de Direito Empresarial da Universidade Estácio de Sá e ex-auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do RJ. É sócio da MSA Advogados e atua nas áreas de planejamento tributário e empresarial.